segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ARREPENDIMENTO E AUTOACEITAÇÃO

O Evangelho nos chama ao arrependimento (Mt 4.17; Mc 1.15). Na Antiga Aliança, em hebraico, arrependimento é shub(voltar-se) e nocham (sentir pesar) como em Oséias 13.14 e 14.2; é conversão, retorno à vontade do Criador. O Novo Testamento também sublinha a conversão e o pesar ligados ao arrependimento (At 3.19; 2Co 7.10), porém verte o conceito  de arrependimento para palavra grega metanoia, isto é, mudança de mente e consequentemente de atitude. Para muitos o apelo de Cristo ao arrependimento é uma negação da autenticidade da existência humana com seus erros e incoerências. Sobre a relação do Evangelho e a existência, F. A. Pastor escreveu um interessante livro (não mais publicado) Existência e Evangelho. No livro, o autor foca seu argumento no fato de que a existência humana está fundamentada na existência de Deus e não pode ser autêntica nem plenamente realizada a parte de seu relacionamento com Deus. Porém, por vezes, parece que o arrependimento é um apelo a não aceitarmos quem somos. A parábola do Filho Pródigo (Lucas 15.11-32) ilustra bem como alguém sem visão renuncia a si mesmo para arrepender-se depois e voltar não apenas para aqueles que deixara, mas também para si mesmo.
File:Rembrandt Harmensz. van Rijn 139.jpg
"O Filho Pródigo Desperdiça sua Herança" (1636) de Rembrandt Harmensz van Rijn (1606-1669).
O pintor usou a si mesmo e a sua esposa Saskia como modelos

 Abaixo citamos um extrato do livro supracitado que aborda essa relação entre autoaceitação e arrependimento:

"O arrependimento existencial é um juízo sobre nós mesmos, discernindo o bom do ruim e situando-nos da parte do bem. Nem pode pretender, nem pretende poder fazer que o que aconteceu não tenha acontecido.Pelo contrário, admite-o. Mas, suposta esta adesão fiel à verdade de nossa história existencial, o homem que se arrepende tem a coragem decidida de pronunciar-se, tomar posição e optar novamente. Com isto, rebela-se contra a aceitação passiva de uma sorte de determinismo existencial. Nada está escrito nas estrelas. Nada está sólido e firme no fluir de nossa decisão, que sempre tem de decidir novamente, nem que seja por ratificar a decisão fundamental precedente. Nossa vida sempre pode configurar-se novamente de acordo com a última tomada de posição, que é a que lhe marca o rumo, o roteiro, a estrada."
Albrecht Dürer: The Prodigal Son among the Pigs
"O Filho Pródigo entre os Porcos" (1497) de Albrecht Dürer (1471-1528).
O pintor alemão retrata  o jovem  se ajoelhando no esterco e refletindo em sua própria vida.
"O arrependimento não é a negação do nosso ser; é somente a negação de nossa negação e a contestação de nossa negatividade, por fidelidade a nosso próprio ser. Assim, revisar a própria vida, deixar que a consciência nos examine e tormar posição depois disso, é justamente exercer um dos máximos atributos de nossa humanidade: a livre e consciente opção existencial, realizada no horizonte religioso e no marco teológico de nossa religação com o transcendente e absoluto mistério a quem chamamos Deus. Aceitar-se a si mesmo, pois nada tem a ver com a identificação passiva de tudo quanto fizemos ou padecemos. Pelo contrário, assume a autocrítica mais radical, já que é capaz de negar o próprio comportamento, o próprio agir, pelas suas deficiências, privações e negações de amor, bondade, esperança, confiança, verdade, magnanimidade."
James Tissot: The Prodigal Son in Modern Life: The Return (1882)
"O Filho Pródigo em Tempos Modernos: O Retorno" (1882) de James Tissot (1836-1902).
O pintor francês retrata o retorno do filho pródigo com roupas e ambiente de sua época (porto de Londres).
"Arrepender-se , pois, num horizonte de fidelidade ao próprio ser profundo, nas suas dimensões pessoal, filial e fraterna, é uma forma magnífica de aceitar-se, e necessariamente tem de assumir o caminho do próprio aperfeiçoamento e tem de afirmar a tese da própria e real perfectibilidade, íntima, religiosa, fraterna. Assim, a fraternidade sempre ameaçada, tem no arrependimento a possibilidade permanente de reconstrução." [1]




[1] Pastor, F. A. Existência e Evangelho. Edições Loyola: São Paulo, 1973, pp.20,21.

Imagens: Art and The Bible. Página eletrônica dedicada a mostrar obras artísticas inspiradas na Bíblia (http://www.artbible.info/)

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