sábado, 1 de novembro de 2008

SENTENÇA DE PILATOS - PARTE VI



A Sentença de Pilatos à Francesa

A Sentença ressurge na França 259 anos depois de sua “descoberta” pelos espanhóis. Em de 1839, o jornal francês Le Droit noticiava que “a ocasião pôs em nossas mãos o documento mais importante dos anais da história humana”, ou seja, uma matéria sobre a sentença que Pilatos proferiu contra Jesus dando a notícia de sua descoberta: o precioso documento teria sido encontrado dentro de um antigo vaso de mármore branco durante escavações realizadas em Áquila, reino de Nápoles, no ano de 1820, pelos comissionários de artes que acompanhavam o exército francês, após a expedição de Napoleão durante a ocupação francesa do Reino de Nápoles (1806–1815). Entre os comissários, estaria Dominique Vivant Denon (1747-1825), célebre pintor, arqueólogo, escritor e diplomata francês, que teria traduzido e feito uma cópia da placa, já que seu original ficou de posse dos monges cartuxos[1] os quais pediram insistentemente que deixassem a “relíquia” com eles. Foram atendidos como reconhecimento dos inúmeros serviços que prestaram ao exército francês. Então, Denon fez a cópia do mesmo modelo, na qual fez inscrever o texto da sentença. Quando de sua morte, na venda do seu gabinete (o qual possuía inúmeros artefatos antigos), a placa teria sido comprada por certo Lord Howard, por 2890 francos.
Vários jornais franceses e europeus publicaram também sobre o tema a partir da matéria do Le Droit.

E texto da sentença de Pilatos à francesa é o que segue[2]:

“No ano dezessete do império de Tibério César, a vinte e cinco do mês de março, na Santa Cidade de Jerusalém, Anás e Caifás sendo sumo sacerdotes e sacrificadores do povo de Deus, Pôncio Pilatos, governador da Baixa Galiléia, sentado na cadeira presidencial do pretório, condena Jesus de Nazaré a morrer sobra à cruz, com dois ladrões; os grandes e notórios testemunhos do povo dizem:
1º Jesus de Nazaré é sedutor.
2º Ele é sedicioso.
3º Ele é inimigo da lei;
4º Ele se diz falsamente Filho de Deus;
5º Ele se diz falsamente Rei de Israel;
6º Entrou no Templo, seguido por uma multidão com palmas na mão.
Ordena ao primeiro centurião, Quirilus Cornélius, que o conduza ao local de suplício.
Fica proibido a qualquer pessoa, pobre ou rica, impedir a morte de Jesus.
As testemunhas que firmam a sentença contra Jesus são:
O primeiro, Daniel Robian, fariseu.
O segundo, Joannas Zorobatel.
O terceiro, Rafael Robani.
O quarto,Capeto, homem público.
Jesus sairá da cidade de Jerusalém pela porta de Struene.”

Apesar da grande circulação desta “descoberta” francesa pelos jornais da época e atualmente pela internet, o que poucos sabem é que sua validade foi questionada já desde seus dias. Vejamos:
Primeiramente, quando do achado da sentença em 1820, Napoleão estava exilado na ilha de Santa Helena e o exército francês já havia sido expulso do Reino de Nápoles que voltara a estar sob a tutela da Espanha desde 1815. Ou seja, o que tem circulado abundante na internet como fato histórico é marcado por um crasso erro cronológico: como os franceses poderiam ter achado tal artefato em Nápoles em 1820 se neste ano eles não estavam lá?
A bem da verdade, algumas obras [3] afirmam que a descoberta se deu quando da breve ocupação francesa da cidade de Nápoles em 1799 pelo general francês Championnet. Seria mais verossímil esta versão.
No mesmo ano da publicação da matéria do Droit (1839), François-André Isambert (1792-1857), jurisconsulto francês de conhecimentos enciclopédicos, denunciou a matéria como falsa pelos seguintes motivos:
1. As circunstâncias de seu descobrimento são misteriosas: não há relação de quem fez a tradução do hebraico para o francês;
2. O texto francês não tem indicativos de uma tradução do hebraico; assemelha-se mais ao texto de um escritor eclesiástico italiano ou outra nacionalidade;
3. O texto não está de acordo com o que se sabe das fórmulas da jurisprudência romana;
4. E o mais revelador: no catálogo dos itens do gabinete de Denon publicado em 1826, ano seguinte ao da sua morte, não constava o “valioso” item nem a tal compra por Lord Howard.

Tais fatos vêm relatados na obra espanhola também de 1839 El panorama. A revista francesa Revue des deux mondes bem como a obra Histoire et ouvrages de Hugues Métel de Agricole Joseph ambos do mesmo ano denunciam erros históricos contidos no texto. A obra L'Ami de la religion denunciava que o secretário de Denon declarou que jamais tinha havido tal placa no seu gabinete. Diz também a mesma obra que não houve a tal compra por Lord Howard.
O que teria ocasionado tal notícia? Seria ela fantasiosa? Sensacionalista? Teria havia algum documento que dera origem a notícia. Talvez alguma cópia do documento "achado" ou produzido no século XVI esteve em contato com os franceses. Há uma cópia italiana no Museu Nacional de Nápoles que remonta ao século XVI possivelmente associada àquela descoberta pelos espanhóis.
A tal "descoberta" francesa da sentença de Pilatos como noticiada pelo Le Droit, outros jornais da época e atualmente por inúmeros blogs não tem evidências de ser uma fato histórico. E quem assim o acreditar que o prove.
Na parte VII desse estudo veremos os erros históricos e bíblicos contidos no texto da Sentença.

NOTAS

* Na imagem acima D. Vivant Denon por Robert Lefevre (1756-1830). Disponível em: www.pierre-abelard.com/vivant_denon.htm

[1] A Ordem dos Cartuxos é uma ordem religiosa católica semi-eremítica fundada em 1084, por São Bruno, em França.

[2] Tradução de Joalsemar Araújo. O texto francês pode ser consultado em : http://jdt.bibliotheque.toulouse.fr/images/1839/1839_04_24.pdf e em Histoire et ouvrages de Hugues Métel ... ou Mémoires pour servir à l'histoire ecclésiastique du douzième siècle Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=eH4EAAAAQAAJ
Outra tradução para o portugês pode ser consultada em http://www.mucheroni.hpg.ig.com.br/religiao/96/julgamento.htm

[3] Histoire et ouvrages de Hugues Métel ... ou Mémoires pour servir à l'histoire ecclésiastique du douzième siècle de Agricole Joseph, 1839, e El panorama, periódico literario que se publica todos los juéves do mesmo ano.


REFERÊNCIAS

El panorama, periódico literario que se publica todos los juéves. 1839. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=YAQbAAAAYAAJ

Histoire et ouvrages de Hugues Métel ... ou Mémoires pour servir à l'histoire ecclésiastique du douzième siècle
Por Agricole Joseph F.X.P.E.S.P.A. Fortia d'Urban
Publicado por , 1839
Original da Oxford University
Digitalizado pela 24 out. 2006 http://books.google.com.br/books?id=eH4EAAAAQAAJ

L'Ami de la religion
Publicado por Librairie Ecclésiastique d'adrien le clere et cie, 1839
Observações do item: v. 101 (1839)
Original da Biblioteca Pública de Nova York
Digitalizado pela 27 jul. 2006

Critica degli Evangeli
Por Aurelio Bianchi Giovini
Publicado por F. Sanvito, 1862
Observações do item: v. 2
Original da Universidade da Califórnia
Digitalizado pela 11 dez. 2007
http://books.google.com.br/books?id=K2BLAAAAIAAJ