sábado, 28 de julho de 2007

BÍBLIA: Verdade ou Mentira III

Abraão nunca andou de camelo???

O texto de Superinteressante diz que há contradições no relato bíblico sobre Abraão (Gênesis 12-25) com o que se conhece pela História e pela Arqueologia da época em que Abraão teria vivido (c. 2000-1850 a .C.). Na realidade não há contradições, e sim diferenças de interpretação dos dados pelos arqueólogos.


Diz a matéria :"...não há registros de migrações de Ur em direção a Canaã que justifiquem o relato bíblico..."(p. 43). Mas é lógico que não há uma justificativa humana (comércio, fome, etc.) para a migração de Abraão de Ur para Canaã: o texto bíblico diz que Abraão saiu de Ur por ordem de Deus (Gn 12. 1-6)!!!A Bíblia é o registro antigo que dá a justificativa de Abraão ter saído de Ur para Canaã quando as pessoas de sua época não faziam isso. Outra: "...naquela época, os camelos ainda não haviam sido domesticados" (p. 43). Isto dá a entender que há um anacronismo (é o mesmo que dizer que os homens do século XVIII andavam de automóveis) que tira o crédito do relato. Mas a revista não justifica suas afirmações dando o motivo histórico-arqueológico do por que Abraão não poderia ter usado o camelo como meio de transporte.
Na realidade não há provas definitivas contra o uso do camelo na época de Abraão; esta hipótese está baseada no fato de que os registros arqueológicos mais antigos que conhecemos do uso do camelo como meio de transporte são de 1200-1000 a.C., isto é, séculos depois de Abraão. Porém, estes são os registros mais antigos que conhecemos, o que não significa que sejam os únicos registros existentes ou que antes desses registros o camelo não havia sido domesticado. Se for assim, teremos que afirmar que o registro mais antigo que temos do uso da escrita foi o primeiro material a ser escrito, o que sabemos não ser verdade. Além disso, existem evidências, que embora insuficientes, indicam o uso bem remoto do camelo. No Egito, na localidade de Fayum, foi encontrado um crânio de camelo datando de 2000-1400 (o período dos Patriarcas e de Moisés). Isto nãoprova se ele era domesticado ou não, mas indica que ele era conhecido na região onde Abraão percorreu, deduzindo-se daí que o camelo deve ter sido usado como meio de transporte na época de Abraão.
A matéria declara que "há erros geográficos: lugares citados na viagem de Abraão, como Hebron e Bersheba, nem existiam então. Hoje, a análise filológica dos textos indica que Abraão foi introduzido na Torá entre os séculos VIII e VII a.C." ( p. 46). Porém, o autor da matéria só leva em consideração uma posição, ignorando ou omitindo outras informações vindas de vários achados arqueológicos que dão base para a credibilidade histórica da narrativa bíblica. Sumariando a conclusão de estudiosos de renome, como W. F. Albright, Roland de Vaux e A. Parrot entre outros, citamos Merril F. Unger: "...as alusões topográficas nas histórias patriarcais coincidem exatamente com as indicações arqueológicas da Idade do Bronze Média (2000-1500 a.C.). De fato, tantas confirmações de detalhes têm vindo à luz nas últimas décadas(...)Por exemplo, lugares que aparecem em conexão com os movimentos dos patriarcas (Abraão, Isaque e Jacó)(...)todos se têm tornado conhecidos, devido a recentes escavações, como sendo habitados na era patriarcal tais como Siquém, Betel, Dotã, Gerar,Jerusalém(Salém) e provavelmente Berseba (grafada Bersheba na revista). Hebron, no entanto, como cidade, não existia na época de Abraão. Só foi fundada "sete anos antes de Zoã no Egito"(Números 13.22), isto é, cerca de 1700 a.C. Antes disso, o lugar se chamava Manre, e a menção de Hebron (Gênesis 13.18; 23.19) é uma nota explicativa para indicar onde se localizava Manre" (Arqueologia do Velho Testamento, p. 58, Imprensa Batista Regular, 1985). Assim vemos que existem evidências arqueológicas que comprovam a credibilidade da história de Abraão, e existe uma explicação racional e bíblica para o aparente anacronismo da menção da cidade de Hebron no relato bíblico.
A revista diz que segundo a "análise filológica" Abraão foi inventado para explicar a origem do povo hebreu (p. 46).A matéria, no entanto, não explica como é feita essa análise, e omite ou desconhece a conclusão sobre vários achados arqueológicos incluindo indícios filológicos que mostram que o texto bíblico sobre Abraão, embora escrito muito tempo depois, reproduz não a época em que foi escrito, mas sim, a época de Abraão. Citamos agora a conclusão de eminentes estudiosos: "Abraão, Isaac e Jacó não parecem mais, doravante, figuras isoladas, quanto menos reflexos da história hebraica posterior; parecem atualmente verdadeiros filhos de sua época, trazendo os mesmos nomes, deslocando-se sobre o mesmo território, visitando as mesmas cidades (...), submetidos aos mesmos costumes que seus contemporâneos", W. F. Albright em L'archéologie de la Palestine, Paris, 1955 [1].Usando a própria análise filológica podemos chegar a uma conclusão favorável sobre a existência de Abraão. Citemos o professor Walter Vogels da Universidade Saint Paul em Ottawa, Canadá, autor do livro Abraão e sua Lenda : "Poderíamos (no caso da hipótese de construção fictícia tardia) perguntar-nos se o personagem teria recebido o nome de Abraão. Nenhum outro personagem bíblico o usa. Se um personagem tivesse sido inventado, teria provavelmente recebido um nome teóforo, composto com o nome Yah (abreviação de Yahweh), como Hananyah (Ananias),Yermeyah (Jeremias), Hizqiyyah (Ezequias). Tal nome teria sido mais mosaico e israelita do que Abraão, que é um nome comum no Oriente Próximo antigo". [2] Assim vemos que a própria análise filológica nos permite ter uma conclusão diferente do artigo de Superinteressante, indicando que há credibilidade histórica para o relato bíblico sobre Abraão.

Notas
[1] Citado na revista Pergunte e Responderemos , no. 462, Edições Lumen Chisti, 2000 (p.29);[2] Ibid, p. 30.

* Imagens:
Acima à direita: Jornada de Abraão rumo à Canaã por Gustave Doré. Fonte:http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Abraham_Journeying_into_the_Land_of_Canaan.png. No meio à esquerda: o arqueólogo W. F. Albright. Fonte: http://archives.sbts.edu/CC/Images/serve/0,,1553100,00.jpg
Abaixo à direita:o Padre-arqueólogo Roland de Vaux em Qumran. Fonte:http://www.itsgila.com/images/isaiah5.gif