quinta-feira, 11 de junho de 2009

VIDA TEMPERADA: UMA REFLEXÃO SOBRE A SIMBOLOGIA BÍBLICA DO SAL

Por que a Igreja deve ser o “sal fora do saleiro”?

Cloreto de sódio, cristalino, branco, usado na alimentação. Para além desta definição meramente científica, o sal é usado desde a Antiguidade como símbolo de vários aspectos da vida. Por ser usado não só como tempero, anticéptico e fertilizante, mas principalmente como conservante dos alimentos, o sal indica principalmente conservação, durabilidade.
Na Grécia antiga, quando se dizia ter comido um alqueire de sal com alguém isso indicava ter uma amizade de longa data. Muitas vezes para falar em ajuntamento e reunião os gregos usavam a expressão “comer sal com.” Entre os romanos o sal simbolizava graça, jovialidade, mas também um dito mordaz, bem como inteligência e bom gosto. A importância do sal na vida diária dos romanos era tal que os legionários eram remunerados com uma quantia básica para comprar sal: o salarium. Daí vem o conceito de salário, remuneração. Na imagem ao lado, trecho da antiga Via Salaria, Itália, importante no comércio de sal na Roma antiga. No antigo Oriente Médio (onde se desenrola a maior parte da história bíblica) se confirmava um compromisso por meio de presentes de sal, o qual era o símbolo da fidelidade, da constância e da hospitalidade.
No Antigo Testamento, o sal também tem grande importância econômica e simbólica. Usado como condimento (Jó 6.6) e anticéptico (Ezequiel 16.4), dentre outros usos, o sal era essencial para os hebreus, cuja dieta básica era de vegetais, garantido o sabor e a preservação dos alimentos. A Lei dizia que toda oferta de manjares deveria ser temperada com sal (Levítico 2.13; Ezequiel 43.24) bem como o incenso sagrado (Êxodo 30.35). Em contraste com o fermento e o mel que eram proibidos (Levítico 2.11), o sal tem licença de acompanhar as ofertas de manjares no altar: símbolo da permanência em contraste com o fermento e o mel que simbolizariam a mudança e o disfarce:"Toda oferta dos teus manjares temperarás com sal; à tua oferta de manjares não deixarás faltar o sal da aliança do teu Deus; em todas as tuas ofertas aplicarás sal” (Levítico 2.13). A aliança de Deus com o seu povo era chamada de aliança de sal (Números 18.19; 2Crônicas 13.5) para expressar sua firmeza e durabilidade. Como está escrito: "Não vos convém saber que o SENHOR, Deus de Israel, deu para sempre a Davi a soberania de Israel, a ele e a seus filhos, por uma aliança de sal?"(2 Crônicas 13.5). Ao lado, ilustração de uma aliança selada com sal.
Por sua simbologia da durabilidade, o sal também era símbolo de um juízo ou maldição perene (Deuteronômio 29.23; Jeremias 17.6). Sendo assim após a destruição de uma cidade era costume lançar sal no seu solo como símbolo de juízo perpétuo, infertilidade e maldição (Juízes 9.45).
No Novo Testamento, Jesus e Paulo aprofundam o simbolismo do sal na sua qualidade de preservar e dar sabor as coisas: o cristão é o sal da terra (Mateus 5.13); portanto deve ter sal em si mesmo e paz com os outros (Marcos 9.50) tendo sempre uma boa palavra “temperada com sal”(Colossenses 4.6a).
Abaixo, foto de uma punhado de sal com uma citação bíblica em inglês de Lucas 14.34: "O sal é certamente bom; caso, porém, se torne insípido, como restaurar-lhe o sabor?"




A história da Igreja mostra que os cristãos começaram como uma comunidade pequena sem poder e influência e no decorrer do tempo passou a salgar a sociedade na política, nas artes, nas ciências... Porém, muitas vezes a presença da Igreja na sociedade foi quantitativa, não qualitativa, havendo na realidade uma deterioração do sal. A Reforma Protestante surgiu visando resgatar o sabor do sal bíblico, procurando impactar a sociedade com valores cristãos. No Brasil, a presença protestante, por ser minoritária e perseguida, desenvolveu-se como uma comunidade de gueto que, embora crescente, volta-se para si mesma. Era “o sal dentro do saleiro”. O célebre historiador do protestantismo brasileiro Antônio Gouvêa Mendonça dizia que “Não há um impacto protestante na cultura brasileira”[1]. Porém, com o decorrer dos anos, os evangélicos começaram a perceber o Brasil enquanto sua pátria não apenas como campo missionário. As pesquisas do IBGE foram mostrando o crescimento do protestantismo brasileiro, em especial do pentecostalismo, e de sua atuação principalmente no campo social e político. Nesse sentido a socióloga Claudia Mafra afirma que “os evangélicos expõe uma opinião diferencial porque estão bastante sensíveis aos mecanismos populares de experimentação e de formação de opinião”[2]. Na última semana de maio deste ano, O Jornal Nacional exibiu uma série de reportagens falando não só da atuação social dos evangélicos, mas do seu trabalho voltado para a transformação de vidas.
A presença evangélica na cultura brasileira foi tão crescente que seu segmento mais fechado, o Pentecostalismo, de comunidade de gueto passou a se incorporar a cultura brasileira.
Segundo Flávio Conrado, pesquisador do Instituto de Estudos da Religião, “ao contrário do que acontecia antes o pentecostalismo já não é mais visto como uma “invasão cultural”, e sim como parte dos processos constitutivos nacionais, enraizando-se, dessa forma, na vida social, cultural e política do país” [3]. No entanto, ainda há muito que ser feito, pois há muito que salgar no nosso Brasil. A constante deterioração dos valores morais e da família, os escândalos políticos e infelizmente, até o mau testemunho de muitos ditos evangélicos fazem urgir que a Igreja do Senhor deixe de voltar-se para si mesma e saia do saleiro para cumprir sua missão de sal da terra e luz do mundo. Não nos esqueçamos das palavras de Jesus: “Bom é o sal; mas, se o sal vier a tornar-se insípido, como lhe restaurar o sabor? Tende sal em vós mesmos e paz uns com os outros” (Marcos 9.50).Acima, imagem do Mar Morto, Israel, e sua inigualável reserva de sal.

NOTAS
[1] MENDONÇA, A. G. O Celeste Porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1995. p.15;
[2] MAFRA, Cláudia. Os Evangélicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001, p.77.
[3] Segmento protestante que crê na atualidade do batismo do Espírito Santo e suas manifestações em especial a glossolalia, ou “falar em línguas estranhas”.
[4] CONRADO, Flávio. A reinvenção da Fé Protestante. In: Nossa História, nº 38, Rio de Janeiro: Vera Cruz, 2006, p.34.